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segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Falecimento de José Cardoso da Maljoga da Sertã

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O seu funeral realizou-se, no dia 19 de Agosto, para o cemitério da Várzea dos Cavaleiros - Sertã.

A imagem que dele conservo é a de um homem conformado com a debilidade física em que ficou depois de acidente rodoviário em que esteve envolvido, há mais de quatro décadas. Recordo a sua figura, sentada na sua "venda", apoiado à sua bengala, que, à despedida, recomendava sempre: "leva lá isso com paciência", como que a dizer aceita lá aquilo que te estiver destinado como eu o faço.

Mas nem sempre foi assim.... Uma das alegrias que evoco da minha infância era quando a minha mãe me mandava ao Zé Cardoso buscar qualquer coisa que lhe fazia falta para o governo da casa. Aquela "venda", para mim, era um lugar mítico... Lá havia à venda piões, pirolitos, rebuçados - por vezes lá tinha a sorte de receber  algum, das mãos do Sr. Zé Cardoso, nas minhas diversas deslocações às compras...!

Mas o que mais me deslumbrava naquele lugar era a chegada ou a partida da "camioneta da carreira". Aquele sítio era, para mim, o ponto de partida para o mundo...  De lá se saía para o Brasil, para Lisboa, para a "tropa"... Saíam as pessoas mas também as encomendas - grandes cestos de vime com tampas de serapilheira cosidas onde seguiam iguarias com que os maljoguenses que viviam na "diáspora" matavam as saudades da sua Maljoga. De vez em quando, também lá chegava alguém que, quando anunciado, era esperado, com grande alarido, pela família.

O Sr. Zé Cardoso era, para  criança que havia em mim, o "sinaleiro" que regulava aquele "trânsito". Era na "venda" que os que partiam e chegavam eram acolhidos por aquele homem que eu considerava único! Sem a sua "venda" não havia saída possível da Maljoga... A Maljoga, sem a sua venda, ficaria para sempre fechada sobre si mesma, nunca iria a lado nenhum!...

Mas a "venda" tinha também outros encantos... Ali se viviam alegrias e tristezas com a chegada e a partida do Correio - ó ti Zé, chegou alguma carta do Brasil para mim? - ó ti zé, abra lá e leia para mim... Era o telefone - mete cavilha tira cavilha -  e ao fim de algumas horas lá se chegava à fala com os familiares em Lisboa...

Para todos o ti Zé Cardoso tinha uma palavra de ternura com que procurava suavizar as saudades de quem um dia ali se despediram!

Os tempos mudaram e a "venda" do ti Zé Cardoso também...

O automóvel particular, o telemóvel, a Internet esvaziaram a "venda" da sua antiga função... mas, na minha memória, ficarão para sempre a ecoar  as palavras sábias do ti Zé Cardoso: leva lá isso com paciência!


Às suas filhas e genros, desejo, em nome da Associação e do seu presidente, Rui Lopes, os mais sentidos pêsames.

Joaquim

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

A Maljoga está novamente de luto

Nasceu a 1 de Maio de 1921
Faleceu a 18 de Agosto de 2011
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A Maljoga celebrou hoje, dia 19 de Agosto de 2011, o funeral de mais uma das suas figuras típicas: a Maria da Conceição Moreira, mais conhecida pela Ti Maria Latoeira, esposa do Ti Abílio Lavrador, já falecido, este sim o latoeiro de profissão que deu o nome de Latoeiros aos seus 10 filhos, nove dos quais estão ainda entre nós.

A Ti Maria Latoeira, dos seus 9 filhos vivos, possuía 17 netos e 17 bisnetos, se não me falha  memória...

Só por este feito merecia uma medalha de mérito, pois, sem os apoios estatais que hoje têm o nome de rendimento mínimo, de inserção e não sei que mais..., governou, com o seu marido, a sua casa e criou os seus filhos que hoje aí estão entre nós a lutar pela vida nas mais diversas profissões...

No que alcanço de memória, relembro a figura do ti Abílio Lavrador (e da Ti Maria) a chegar à Maljoga com a sua carroça de oficial de latoeiro ambulante e montar arraiais na Relva, mais propriamente nos currais e palheiro da Ti Júlia Velha, pertença, já na altura, do Ti Daniel. No meu olhar de menino, teria uns três ou quatro anos, o que evoco era a carroça de onde pendiam panelas, cestos, alguidares e outras utensílios que arranjava ou negociava e uma figura simpática que oferecia aos garotos, como eu, mãos cheias de figos secos. Vinha de Dornes, da Fresoeira, lugares que uma criança como eu cuidava ser o Paraíso, pois havia lá passas de figo mais doces que o mel.

O tempo veio mostrar-me que não era bem assim e começou a nascer em mim a admiração por um homem e uma mulher que ajudavam as pessoas: remendavam panelas, punham gatos nos alguidares e pratos de porcelana e barro, faziam aguadouros resistentes de folha lisinha que iam substituindo os velhos aguadouros frágeis de cabaça.

Mas, ao fim de algum tempo, iam-se embora  e eu ficava triste, pois apagava-se o lume onde o ferro de soldar sempre quente ia distribuindo solda pela chapa e latas onde se armazenavam chouriços, ou azeite, que iam para o Brasil ou outras terras de imigração dos Maljoguenses. E a criançada ficava à espera de novo regresso!

Até que um dia, ou porque a Maljoga se enamorou do Ti Abílio e da Ti Maria, ou porque estes se enamoraram da Maljoga, chegaram e já não partiram. A Ti Maria percorria as terras vizinhas e de lá vinha carregada com panelas, caçarolas, tachos e encomendas em chapa que o Ti Abílio, com uma habilidade e profissionalismo extraordinário, remendava, refazia ou fazia de novo. Muitas vezes a troco de produtos alimentares que era uma forma vulgar de pagamento entre gente tão pobre como eles.

Era no tempo em que os sapateiros  e os barbeiros iam a casa dos clientes de quem também recebiam, pelos serviços prestados, broa, cereais, azeite e outros produtos alimentares que estes homens de ofício não produziam, ou por não terem terras, ou por não terem tempo para as cultivar, pois o seu ofício era prestado de sol a sol.

A maior parte dos filhos da família dos Latoeiros, também conhecidos por Lavradores, já nasceram  na Maljoga e, pelos menos os filhos mais novos da família, já não fazem parte das memórias que evoco. Contudo, devem sentir-se orgulhosos pelo pai e pela que mãe que tiveram, pois eles foram uma mais-valia para a Maljoga e povoações vizinhas que, por isso mesmo, também os souberam estimar e acolher dentro da pobreza comum a todos.

Os mais novos que me lêem têm na memória a figura da Ti Maria já velhinha que tanto ria como chorava, ou melhor ria a chorar... Se conseguirem evocar o "filme épico" de que atrás tracei alguns quadros, talvez encontrem a razão dessa forma de ser.

Quis Deus que os seus últimos sete anos fossem anos de sofrimento, mitigado de forma tão sensível pelo carinho diário da sua filha a Carma e do seu genro o Zé com quem partilhou a sua prolongada doença, com o apoio, é certo, de todos os seus outros filhos, genros e noras. 

Que a Misericórdia Divina recompense, no Seu Reino, a Ti Maria por tanto amor que dedicou ao seu marido, aos seus filhos, genros e noras, e à Maljoga que amou como o melhor dos Maljoguenses.

Aos seus filhos, genros e noras, netos e bisnetos, em nome da Associação por delegação do seu Presidente, Rui Lopes, queremos endereçar os mais sentidos pêsames. Uma lembrança especial para o seu neto o Rui que é actualmente Secretário da Associação.

Joaquim