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domingo, 31 de março de 2024

HORRÍVEL TRAGÉDIA NA VÁRZEA DOS CAVALEIROS [1] ASSASSINATO DE JOÃO ANTÓNIO NO DIA 5 DE FEVEREIRO DE 1913

 

1.ª PARTE


Adeus aldeia da Várzea

Qual foram os teus destinos

De hoje para o futuro

És terra de assassinos.


2


Com a dor no coração

Escrevi neste papel

Até hoje nunca se viu

Barbaridade tão cruel.


3


Foi no dia cinco de Fevereiro

Que este caso aconteceu

Pelas quatro horas da manhã

João António faleceu.


4


Foram quatro vadios

Consciências desvairadas

Tirá-lo da sua cama

Para lhe dar sete facadas.


5


Os bárbaros sem consciência

Sem temor e sem contrição

Deram-lhe uma no lado direito

Que lhe atravessou o coração.




6


Foram chamar seu irmão

Que tal coisa não sabia

Quando ao pé dele chegou

Desmaiado no chão caiu.


7


Quando o povo se ajuntou

Causava dó e compaixão

Gritavam em altas vozes

Sejam encerrados na prisão.


8


Foram chamar o regedor

Os cabos também vieram

Ficaram todos atónitos

Por fim nada fizeram.


9


O regedor não teve esperteza

Isto se pode destinguir

Andaram ali acassapados

Depois deixaram-nos fugir.


10


Veio a justiça da Sertã

Causava terror e confusão

Quando encontraram o cadáver

De bruços no meio do chão.



11


Instou o senhor doutor médico

Não foi escasso em dizer

Abram caminho para o lado

Cheguem todos e venham ver.


12


Ó pais e mães de família

Vinde todos observar

Esta cena tão horrorosa

Nela exemplo tomar


13


Não se viam se não lágrimas

Lamentações e suspiros

Choravam em altas vozes

Amigos parentes e vizinhos


14


O seu irmão José Nunes

Com o coração cheio de mágoa

Apanhou o sangue todo

Com os olhos banhados em água.


15


Foi levá-lo ao cemitério Santo

Onde jazem corpos mortais

Repouso de profunda tristeza

De nossos avós e pais.



16


Levaram o cadáver para a Sertã

Para terra de mais respeito

Só no dia seis à tarde

Foi a autópsia feita.


17


Deviam tirar-lhes o coração

Para nele tomar experiência

Para depois o apresentarem

No dia da audiência.


18


Tomem nota meus senhores

Por cima da pedra dura

Dois já estão na prisão

João António na sepultura.



SEGUNDA PARTE


NOMEAÇÃO DOS ASSASSINOS


19


Eis aqui meus senhores

Uma história de pasmar

Tem o coração muito duro

Quem não se largar a chorar.


20


Carlos Brízio traiçoeiro

Que sua faca afiou

Que havia de dar sete facadas

Por certo assim calhou.


21


Foi Adelino Morgado

Com a sua má contrição

Pegou logo na faca

Cravou-a no coração.


22


Segundou-a sete vezes

Causa dó e muito respeito

Por ser bárbaro e carrasco

Com uma mão ficou satisfeito.


23


O seu irmão João Morgado

Era da mesma secção

O povo encontrou este delito

E não lhe deitaram a mão.


24


Também o Manuel Martins

Por ser filho de homem honrado

Deitamo-lo para aquele poço

Aperda [2] que o leve o diabo.



25


Vejam aqui uma expressão

De homem de tanto valor

Só ele tinha presunção

De ser mordomo do Senhor.


26


Eram quatro desordeiros

De noite faziam chinfrim

Assim mataram aquele rapaz

Sem o povo dar motim.


27


Quando estava em agonia

De profundo deu um ai

Deixem-me, vou pagar o vinho

Ai Jesus... ó meu pai!


28


Ouviu José Francisco

Ele os quis repreender

Saltaram enraivecidos

O telhado lhe foram moer.


29


Bateram à parta da Carraça

Naquele mesmo momento

Ó Maria abre-nos a porta,

Demora-nos pouco tempo.



30


Ela estava na cama

Tratou de se vestir

Desceu a escada abaixo

Para a porta lhes abrir.


31


Entraram para dentro

Alegres do coração

Aquele já está seguro

Falta-nos agora o seu irmão.


32


Talvez o alma de tantos

Ainda queira escapar

Vou-lhe dar outra facada

Que ele por força há-de ficar.


33


Ó corações enraivecidos

Depois de o rapaz estar morto

Pegam outra vez na faca

Vão-lha espetar no corpo.


34


Vós ficastes regalados

De cortar em carne humana

O diabo vou tentou

Que a muitos engana



35


Prometestes-lhe um vestido

Para ela vos não declarar

Mas há-de ser a melhor testemunha

Que vos há-de acusar.


36


Prometestes-lhe muitas prendas

Isso não presta para nada

Se ela não confessar a verdade

Merece ser degradada.


37


Seguistes a lei da natureza

Ao vício e à vaidade

Para regalar o coração

Perderam a liberdade.


38


Por aquilo já se esperava

Na aldeia não havia paz

No João António ninguém falava

Porque era muito bom rapaz.


39


Depois de se pôr o Sol

Ninguém lá podia passar

Fosse quem quer que fosse

Davam-lhe logo a rachar.



40


Também ao Manuel Isidro

Quiseram tirar a buchada

Valeram-lhe as sapatilhas

Ainda apanhou uma pancada.


41


Faziam rondas de noite

Ninguém deixavam sossegar

Já não faziam caso deles

Era gritar sobre gritar.


42


Tomem nota meus senhores

Notem e queiram notar

Estes devem ficar livres

De o Sol os queimar [3].



TERCEIRA PARTE


LAMENTAÇÃO DOS PRISIONEIROS


43


Vê aqui ó Manuel Martins

Também os teus companheiros

Podiam ser bons cidadãos

E por fim são prisioneiros.




44


Vedes aqui o que causou

A vossa má inclinação

Agora por fim o que vos resta

É viver na solidão.


45


Sirva a todos de exemplo

Que não deve ficar cobiça

Devemos ter dó deles

Mas deve cumprir-se a justiça.

46


Ex.mo Juiz de Direito

Ouvi-me esta palavra:

Fazei justiça recta

Um homem não é uma cabra.


47


Se não houver algum temor

E da Justiça algum respeito

Se não tivermos disciplina

Matar-se-á tudo a eito.


48


Não quiseram contradizer

Suas paixões desvairadas

Homens sem freio nas acções

São como feras desesperadas.



49


A vossa gente anda de luto

Sofrer sobre sofrer

Antes de fazer tal delito

Mais vos valia morrer.


50


Pelo menos sentia-se a perda

De homens de pouco valor

Assim sempre ficam sendo

Da geração dos matadores.


51


Vós tendes muitos bens

Não os soubestes lograr

Para serem homens modelo

Não vos quisestes incomodar.


52


O que muito incomoda

Para quem é ilustrado

Fazer serviços e más acções

Para viver envergonhado.


53


No seio do lar doméstico

Vos podíeis cultivar

Pretender uma donzela

Para vosso filho educar.



54


Para este bem tão comum

São palavras evidentes

Assassinos e matadores

Não devem ter descendentes.


55


Perdeste o direito

Aos negócios sociais

Não estareis envergonhados

De desonrar vossos pais?


56


Quando ias ao adro

Apertar a mão às donzelas

Beber o vinho com os amigos

Ai Jesus... Cousas tão belas.


57


Perdestes o direito ao recreio

Da Primavera das flores

Ouvir cantar os passarinhos

Trinando hinos e louvores.


58


Ó, que recreios tão lindos

Se ama e louva ao Senhor

No vosso coração já não entrava

Nenhum raio do seu amor.



59


Pelo silêncio da noite

O Céu semeado de estrelinhas

Quando vós andáveis na rua

Fazendo asneirinhas.


60


Perdestes o direito ao Sol

Que ilumina todo o mundo

Agora por fim é jazer

Nesse abismo tão profundo.


61


Quem pudera escrever

Bem a fundo a vossa vida

Faltou-me a capacidade

E os estudos de Coimbra.


62


Sou do concelho de Proença-a-Nova

Na Maljoga residente

Sou um infeliz

Com pouco entendimento.


63


Queiram-me todos desculpar

A minha incapacidade

O meu nome é José da mata

Não vos nego a verdade.



64


Tomem nota meus senhores

Isto é conselho meu

Fazer boas acções e boas obras

Nunca ninguém se arrependeu.


Editor José da Mata Júnior


Maljoga


Proença-a-Nova




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[1] O texto que nos chegou e que serviu de base para esta edição não é, possivelmente, o texto original. É uma cópia dactilografada onde a grafia apresenta já características recentes mas com algumas falhas de forma. Assim, optei por transcrevê-lo totalmente na grafia actual...


[2] Expressão popular com o sentido de “bem feito”


[3] Note-se o eufemismo – “devem fi

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Ata da Assembleia de 26 de Novembro de 2023 - Tomada de posse dos órgãos sociais e plano de atividades para 2024

 

ATA DA ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DA

ASSOCIAÇÃO CULTURAL, RECREATIVA, DESPORTIVA E SOCIAL

DA MALJOGA – PROENÇA-A-NOVA

Ao vigésimo sexto dia do mês de Novembro de dois mil e vinte e três, pelas dezasseis horas, reuniu-se a Assembleia Geral da Associação Cultural, Recreativa, Desportiva, e Social, na sua sede em Maljoga, freguesia e concelho de Proença-a-Nova, em sessão ordinária, ao abrigo do número dois do artigo vigésimo sexto dos Estatutos, sob a presidência de Joaquim da Mata Fernandes, presidente da mesa da Assembleia Geral, de acordo com a sua convocatória de onze de Novembro de dois mil e vinte e três, com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1 – Tomada de posse dos Corpos Sociais da Associação para o triénio de 2024-2026.

Ponto 2 – Apreciação e votação do programa de atividades e respetivo orçamento para o ano de 2024, sob proposta da direção hoje empossada

Ponto 3 – Outros assuntos que os associados quiserem agendar no início da Assembleia.

Deu-se início à Assembleia com a leitura e discussão da ata da reunião de 20 de Agosto de 2023. A mesma foi aprovada por unanimidade.

Passou-se de seguida ao primeiro ponto da ordem de trabalhos com a tomada de posse dos novos corpos sociais, eleitos em Assembleia Geral de 20 de Agosto de 2023. Os empossados assumiram o dever de cumprir as suas funções conforme os estatutos e dignificar a Associação.

Para dar início ao segundo ponto da ordem de trabalhos, o presidente cessante da Assembleia, Joaquim da Mata Fernandes,entregou a condução da reunião ao presidente da Assembleia, que agora tomou posse, Carlos Manuel Fernandes dos Santos, desejando-lhe os maiores sucessos na condução da Assembleia.

Para dar seguimento à ordem de trabalhos o novo presidente da Assembleia deu a palavra ao Rui Lopes, vice-presidente da direção que apresentou o programa de atividades e respetiva proposta de orçamento para o ano de 2024. Foram propostas as seguintes atividades recreativas, desportivas, associativas e ao nível de infraestruturas:

Atividades recreativas

  1. Cantar das Janeiras – 27 e 28 de janeiro

  2. Comemoração do Dia Internacional da Mulher – 10 de março

  3. Festa de verão – 17 e 18 de agosto

  4. Encontros de outono – 27 de outubro

  5. Festa do Padroeiro Cristo Rei – 24 de novembro

Atividades desportivas

  1. Manutenção e limpeza do circuito pedestre

  2. Facilitar a realização das aulas de ginástica sénior

  3. Tematização do Circuito Pedestre - Ciclo da Água

Atividades associativas

  1. Participar no encontro das Associações promovido pelo município

  2. Continuar a recuperação de quotas em atraso

  3. Manter e aumentar o número de sócios

  4. Abertura do bar aos domingos

Infraestruturas

  1. Colocação de extintores nas instalações nos locais a indicar por técnicos do Município, e colocação de portas com saídas de emergência.

  2. Arranjo ou substituição do toldo danificado.

Foi igualmente apresentado uma previsão de orçamento, prevendo-se um total de receita no valor de 7.594 euros proveniente de quotas, donativos e atividades da associação e 8.355 euros de despesa, distribuídas por despesas gerais, instalações e atividades da associação, sendo o valor negativo coberto por existência em depósito bancário.

Prenunciou-se o presidente do Conselho Fiscal, declarando nada ter a opor ou a sugerir relativamente ao plano e respetivo orçamento.

Colocados à votação, foram aprovados o plano de atividades e respetiva proposta de orçamento por unanimidade dos sócios presentes.

Passou-se finalmente ao ponto três da ordem de trabalhos.

Neste ponto da ordem de trabalhos, o Rui Lopes fez o ponto da situação relativamente ao condomínio da aldeia, focando a dificuldade em contactar e reunir todos os proprietários envolvidos, após o levantamento das parcelas que já está concluído.

Focou ainda alguma dificuldade nas relações entre a associação e o município para colocar questões e agendar trabalho. Sugeriu-se que passasse a haver alguma presença de elementos dos corpos sociais ou simples associados que pudessem intervir em reuniões da Assembleia Municipal.

Nada mais havendo a tratar, o presidente da mesa da Assembleia Geral deu por encerrada a reunião, da qual se lavrou a presente ata que, depois de lida e aprovada, vai ser assinada pelo presidente e secretário da Mesa da Assembleia.


O Presidente da Mesa da Assembleia Geral

Carlos Manuel Fernandes dos Santos e


O Secretário

Abílio Lavrador


terça-feira, 22 de agosto de 2023

Ata da Assembleia de 20 de Agosto de 2023 - Eleição dos corpos sociais para o triénio 2024-2026

 

ATA DA ASSEMBLEIA GERAL ORDINÁRIA DA

ASSOCIAÇÃO CULTURAL, RECREATIVA, DESPORTIVA E SOCIAL

DA MALJOGA – PROENÇA-A-NOVA

Aos vinte dias do mês de Agosto de dois mil e vinte e três, pelas quinze horas e trinta minutos, reuniu-se em Assembleia Geral a Associação Cultural, Recreativa, Desportiva e Social, na sua sede em Maljoga, freguesia e concelho de Proença-a-Nova, em sessão ordinária, ao abrigo do número dois do artigo vigésimo sexto dos Estatutos, sob a presidência de Joaquim da Mata Fernandes, presidente da mesa da Assembleia Geral, de acordo com a sua convocatória de quinze de julho de dois mil e vinte e três, com a seguinte ordem de trabalhos:

Ponto 1 – Leitura, apreciação e aprovação da Ata da última Assembleia Geral;

Ponto 2 – Eleição dos corpos sociais da associação para o triénio de 2024 a 2027;

Ponto 3 – Outros assuntos que os associados quiserem apresentar à apreciação da Assembleia.

Aberta a Assembleia pelo seu presidente, procedeu-se à leitura da ata da assembleia de doze de Março de corrente ano a qual foi aprovada por unanimidade.

No segundo ponto da ordem trabalhos foi apresentada uma lista para os Corpos Sociais para o triénio de 2024-2026 conforme se segue:


Assembleia Geral:

Presidente Carlos Manuel Fernandes dos Santos Sócio n.º 16

1.º Secretário Joaquim da Mata Fernandes Sócio n.º 27

2.º Secretário Abílio Martins Lavrador Sócio n.º 243

Direção:

Presidente Ana Rita Lopes Mata Sócio n.º 242

Vice-presidente Rui Miguel Nunes Lopes Sócio n.º 116

Tesoureiro Maria Otília Lopes da Mata Sócio n.º 212

Secretário Maria João Lopes Alves Sócio n.º 225

Vogal Manuel Vítor da Silva Miranda Sócio n.º 113


Conselho Fiscal:

Presidente: Carlos Alberto Alves Sócio n.º 76

Vogal: Manuel Lopes Tereso Sócio n.º 59

Vogal: Carlos Miguel Lopes Alves Sócio n.º 235


Foram ainda nomeados como suplentes os seguintes associados:

Alfredo José da Silva Sócio n.º 42

Carlos Cardoso Alves Sócio n.º 60

Norberto Gomes Sócio n.º

Simão Pedro Sócio n.º 160

Carmelinda Tereso Sócio n.º 185

José Lopes Tereso Sócio n.º 58

Maria do Carmo Lavrador Sócio n.º 203

Maria Idalina Nunes F. Lopes Sócio n.º 205

Maria Idalina Tereso Sócio n.º 189

Maria Irene Guerra Sócio n.º 32

Verificada a elegibilidade dos elementos da lista de acordo com os estatutos, foi a mesma aprovada por unanimidade. Decidiu a Assembleia que os órgãos sociais agora eleitos tomarão posse em Assembleia Geral a ser convocada para 26 de Novembro próximo (festa de Cristo-Rei), apresentando os candidatos eleitos, nessa assembleia, um plano de atividades e respetivo orçamento para o ano de 2024. A nova direção iniciará o seu mandato a 1 de Janeiro de 2024.

Passou-se finalmente ao último ponto da Ordem de Trabalhos.

O associado Rui Lopes fez o ponto de situação sobre o condomínio da aldeia lançado na assembleia de 12 de março de 2023. Segundo o mesmo, o grupo de trabalho constituído para o efeito já fez o levantamento dos proprietários, tendo sido identificados mais de quarenta. A fase seguinte será convocar os mesmos para formalizar a adesão ao condomínio o que será exarado em ata. Na mesma ata, os proprietários em condomínio legitimarão a Associação para o administrar. Para que tal seja possível, propor-se-á, na próxima assembleia, uma alteração aos Estatutos nesse sentido.

Seguidamente, o Rui Lopes referiu-se ao projeto cultural Maljog’Arte, tendo o associado António Martins mostrado algumas reservas quanto à possibilidade de reversão de obras artísticas realizadas em fachada de propriedade privada em que o respetivo proprietário decida fazer alterações. Para salvaguardar os proprietários atuais ou futuros que autorizem obras ou pinturas murais nas suas propriedades, foi, sob proposta do Rui Lopes, aceite e aprovado por unanimidade que todas aquelas criações artísticas possam ser reconvertidas ou revertidas a pedido dos respetivos proprietários.

A concluir, a direção em funções lembrou que a próxima atividade associativa será os encontros de Outono a 28 e 29 de Outubro.

Nada mais havendo a tratar, o presidente da mesa da Assembleia Geral deu por encerrada a reunião, da qual se lavrou a presente ata que, depois de lida e aprovada, será assinada pelo presidente e secretário da Mesa da Assembleia e pelos associados que o desejarem.


O Presidente da Mesa da Assembleia Geral

Joaquim da Mata Fernandes


O Secretário

Abílio Martins Lavrador

sexta-feira, 20 de janeiro de 2023

12 POEMAS MORAIS

 

Lindo folheto1 contendo 12 poesias2 morais3, sendo a primeira, Sentimento da Criancinha; a segunda, O que é o nosso corpo humano; a terceira, Que somos além da campa; a quarta, Conselho e Vigilância; quinta, Sentimentos de ceguinhos; a sexta, A equiparação entre o incrédulo e o crente, imitando dois ceguinhos; a sétima, O Lobo e o Cordeiro; a oitava, O sol da justiça; a nona, Narrando a mentira; a décima, O que é a água; décima primeira, A criação da água; a décima segunda, O que é a morte.


1 Dizem os que conheceram o poeta que este folheto e outros eram vendidos por feiras e romarias por onde deambulava.

Na edição que aqui apresentamos, optámos por utilizar a grafia corrente. Num ou noutro caso mantivemos a grafia primitiva por nos parecer “sugestiva”.

2 Formalmente as poesias morais  aqui editadas são redondilhas populares onde predominam os versos de sete sílabas métricas. Também nos aparecem versos com seis e mesmo oito sílabas. São constituídas por mote em quadra e quatro voltas (estrofes) de dez versos cada. O último verso do poema é também o último verso do mote, tal como é uso neste tipo de composições. As rimas do mote são cruzadas do tipo abab; nas voltas predominam, de forma livre, as rimas emparelhadas e interpoladas, intercalados numa ou noutra composição por versos soltos ou brancos o que revela alguma naturalidade, privilegiando o ritmo das ideias.

3 São 12 poesias morais, não mais... Doze é um número perfeito – 12 meses do ano, 12 apóstolos... Uma poesia para cada mês...


1.ª poesia

4 Optámos por inserir novamente os títulos em todas as composições para facilitar a leitura

Sentimento da Criancinha4

MOTE

Quando eu nasci chorava

Com pena de ter nascido

Parecia que adivinhava

As penas que eu tenho tido.


Quando me encontrei neste mundo

Dum grande sono despertado

Fiquei então admirado

Ao alvejar isto tudo

Confundi-me sobre tudo

Na luz que me iluminava

Não pronunciava palavra

Tudo me era confusão

Vedes aqui a razão

Quando eu nasci chorava.


O meu corpo quase imóvel

Mal movia pé e mão

Tinha o princípio da razão

Mais débil que um papel

Internado neste aduel 5    5 O mesmo que aduela – cada uma das tábuas que formam o corpo das pipas. Aqui toma-se a parte pelo todo. O corpo é comparado ao pipo.

Chorava para comigo

Que este grande mistério e perigo

Parecia que estava a adivinhar

No meio deste lupanar

Chorava de ter nascido.


Quando dei passadinhas

Primeira alegria do coração

Quando me pegava pela mão

Auxiliada 6 pelas vizinhas    6 A concordar com criancinha (cf. título)

Já dizia palavrinhas

Porque minha mãe me ensinava

E até meu pai me escoliava 7     7 É interessante o neologismo a partir de “escola”. O sentido é, pois, “até  o meu pai era meu mestre-escola”.

Fazia jestruz 8 para me rir        8 Tal como está no original. Corresponde à palavra “gestos”. A prótese do “r” a seguir à consoante“t” é comum na linguagem popular.

Mas o que estava a sentir

Parecia que adivinhava.


Fui à aula pouco sei

Conheço as letras e vi as cores

Vi na primavera as flores

Nos tenros anos seguei 9          9 Sem  dúvidaque, de acordo com o contexto, a palavra correcta é“ceguei”.

Na escuridão eu fiquei

Com perda do primeiro sentido

O pensamento do suicídio

Por vezes me quis sufocar

Aqui podeis avaliar

As penas que tenho tido.


2.ª poesia

O que é o nosso corpo humano

MOTE

Pus-me a pensar um dia

A sorte que tinha 10 o meu corpo     10 É uma forma popular do condicional “teria” com valor de futuro.

São trabalhos e fadigas na vida

Terra em cima depois de morto.


Quem este quadro edificou

Esta maravilha de tristeza

Foi o autor da natureza

Quem esta obra assim formou

Por certo eu também vou

Este caminho a trilhar

Ao cemitério ir findar

Onde acaba toda a vida

Nesta verdade conhecida

Pus-me um dia a pensar 11.    11 No original o verso surge “Pus-me a pensar um dia”. É falha do escrivão, pois a rima impõe a sequência que proponho.



Já cantei como actriz

Já chorei em alto pranto

Às vezes de quando em quando

Julgo que sou feliz

Lá vem um pensamento que diz

Amanhã já estás morto

Lá vem outro desgosto

Que me faz arreliar

Ainda não acabei de pensar

A sorte que tinha meu corpo.


O rico por nada faltar

O indigente com sua pobreza

Sofre o revés da tristeza

Aqui no mundo a gozar

Nós devemos meditar

O que sofreu a Virgem Maria

Jesus morto em agonia

Para o exemplo deixar

Ninguém poderá evitar

São trabalhos fadigas da vida.


12 Entrei em uma cerca fechada        12 O poeta, numa visão moralizante, reconhece o seu próprio cadáver na sepultura

Onde fiquei todo abismado

Olhei para um lado

Vi uma caveira mirrada

De pessoa tão dedicada

Que no mundo tinha conforto

Vi desfeito o seu corpo

Em pó, terra, cinza e nada

Vi a minha última morada

Terra em cima depois de morto.


3.ª poesia

Que somos além da campa

MOTE

O meu espírito se alegrou

Quando isto fui pensar

Se Deus para o Céu nos criou

Lá é que devemos ir gozar.


Levantei o meu espírito

Acima do que é terreno

Todo o homem grande e pequeno

Deve amar a Jesus Cristo

Ele não falta com isso

Prometeu e nunca faltou

Pois cristão também eu sou

Juro e não posso negar

Quando isto fui pensar

O meu espírito se alegrou.


Jesus é nosso pai

Com o sangue nos remiu

Ele para o Egipto fugiu

Em companhia de sua mãe

São José ia também

Como seu pai representar

Herodes o queria matar

Com sua ira e traição

Alegrou-se o meu coração

Quando isto fui pensar.


No mundo há tanta calamidade

Tanta gente anda a sofrer

Tanto ceguinho sem ver

Tanta viúva e orfandade

Tanto revés e contrariedade

Vejo sofrer amigo meu

Sofre amigo e sofro eu

Neste mundo de amargura

Nesta pátria não há ventura

Se Deus para o Céu nos criou.


O corpo abaixa 13 à sepultura        13 Forma popular do verbo baixar.

A alma voa para o céu

É uma pátria que Deus nos deu

Toda a fiel criatura

Com tanta alegria e doçura

Deus nos quer recompensar

Não devemos murmurar

Nas promessas do seu coração

Nesta pátria é que então

Nós devemos ir gozar.


4.ª poesia

Conselho e Vigilância

MOTE

Não deixes passar o que passa

Para nos salientar o futuro

A prática é a ciência das artes

O tempo é que traz e leva tudo.


Do teu lar faz história

Para melhor poder viver

Para depois compreender

Avivares tua memória

Depois acharás vitória

Na lida que te embaraça

Não julgues que o que se passa

Não deves estar 14 em lembrança    14 Forma popular – equivalente a ter

Põe-te sempre em vigilância

Não deixes passar o que passa.


Se teu pai morrer assenta

Se teu filho nascer escreve

Para te tornar mais leve

A um escrivão que te atenda

Não deixes perder a patenta 15   15 Patente – aqui numa forma popular de dizer.

De uma compra ou seguro

Arriscas-te a perder tudo

Ficas todo arreliado

Vive bem acautelado

Para salientares no futuro.


Até mesmo na agricultura

Não deves deixar passar

Para poderes reparar

Em qualquer sementeira ou postura

Tu artista e por ventura

Nos teus erros não pensaste

Tu nunca os emendaste

Vives sempre ignorado

Visto o que eu tenho pensado

A prática é a ciência das artes.


O antigo é o modelo

Para onde devemos dirigir

Para poderes corrigir

Qualquer erro ou empeno

O artista com o seu desempeno

O corta mão desempena tudo

Depois de nada veio tudo

Para o nada tem de voltar

Não te queiras admirar

Com o tempo traz e leva tudo.

5.ª poesia 16

16 Estamos na presença de um texto autobiográfico. O poeta compara-se ao cego de nascença para concluir que a sua situação é bem pior. Enquanto o cego de nascença canta a sua infelicidade e vive resignado, o autor, que cegou já na sua juventude (foi à escola: sabe ler e escrever), “passa a vida a chorar” as lembranças de felicidade (bem presentes na última estrofe) do tempo anterior à sua situação presente em que “vive em trevas isolado”.

Sentimentos de ceguinhos

MOTE

O cego que nasceu cego

Eu que nasci e ceguei

Diz o cego que assim nasceu

Digo eu que depois ceguei.


Passa a vida a cantar

O infeliz que assim nasceu

É uma graça que Deus lhe deu

Para se poder resignar

Da alegria um segredo

Cumpre alegre o seu degredo

Porque não viu sol nem lua

Anda apalpando na rua

O cego que nasceu cego.


Passo a vida a chorar

Do mundo o melhor perdi

Agora choro aqui

Ninguém me pode remediar

Ando sempre a contemplar

As cousas que já olhei

Na escuridão assim fiquei

Nas trevas isolado

Vivo sempre desacoroçoado

Nasci e ceguei.


No céu há tantas estrelas

E um sol que nunca vi

No seu calor me aqueci

No meio de tantas belezas

Tantas cores brancas e pretas

Nunca vi longe e nem perto

Mas tenho que dar crédito

Por que ouço assim contar

O meu remédio é cantar

Diz o cego que assim nasceu.


Já vi cabelos doirados

Na donzela mais formosa

Já vi no jardim a rosa

E a verdura nos prados

O rouxinol nos silvados

Ler e escrever também sei

E os montes passeei

Vi alvura da neve

Agora o leitor se não percebe

Digo eu que já ceguei.


6.ª poesia

A equiparação entre o incrédulo e o crente, imitando dois ceguinhos


MOTE

Quando correr esta cortina

Muitos tem 17 ignorado    17 Mantive a forma arcaica que o original apresenta. Tem aqui o valor de têm  (plural).

Olhei (18) os dois ceguinhos    18 “Olhei” em vez de “olhai”. É uma forma de dizer ainda hoje comum entre as pessoas mais idosas. Nas voltas         (estrofes) o imperativo já usa a forma correcta “comprai”, “educai”.

Que dão o exemplo equiparado.


Vejam bem os senhores

O que vos vou a dizer

Comprai todos para ler (19)     19 Este é um pregão sem dúvida muito utilizado pelo poeta pelas feiras e romarias por onde vendia os seus versos.

Até do lar pai e mãe

Educai os filhos bem

Do catecismo e sã doutrina

Ela declara e ensina

D’além campa a eternidade

Veremos toda a verdade

Quando correr esta cortina.


Entre o que viu e o que não viu

Houve uma discussão

Um que sim e outro que não

O que não viu se convenceu

Porque então nunca percebes

Do que andava rodeado

Agora alto dou um brado

Com esta advertência

Avivai na inteligência

O que muitos têm ignorado.


Os que tem fé dizem que há Deus

Os que não têm dizem que não

Vivemos todos num sertão

No meio de tantos segredos

Uns apontam com os dedos

Além vão os caminhos

Outros com os seus maus ensinos

Arrastam a religião

Abri os olhos à razão

Olhai para os dois ceguinhos


Entre o incrédulo e o crente

Entre o que viu e o que não viu

Tudo isto se discutiu

Que pode ler toda a gente

Que Deus Padre Omnipotente

Está um mistério encerrado

Tantos o têm negado

Como judas 20 negou Jesus    20 Judas está grafado com letra minúscula no original que manuseei em contraste com o nome de Jesus. Acentua, sem        dúvida, a desconsideração popular por tal personagem. Ainda hoje na Maljoga e arredores apelidar alguém de Judas é motivo de desprezo e segregação.

Andam como cegos na luz

Que dão o exemplo equiparado.

7.ª Poesia

O Lobo e o Cordeiro

MOTE

O lobo mais o cordeiro

Encontraram-se num riacho

O lobo pôs-se por cima

E o cordeiro ficou por baixo.


Acharam-se em liberdade

O inocente e o maldoso

O pequeno é desditoso

No meio da sociedade

Eis a expressão da verdade

Não foi este o primeiro

Porque o grande é ventureiro

Que no mundo tem a potência

Acharam-se em advertência

O lobo mais o cordeiro.


Dizia a raposa certa vez

Quem 21 suas forças não tem        21 No original está “querem”. Penso ser uma gralha do escrivão

Nem no mundo pai e mãe

Perde tudo num mês

O que tanto revés

No mundo se tem encontrado

Que o pequeno é desprezado

Que não tem no mundo poder

Que para esta água beber

Muitos se encontram no riacho.


Com esta má contrição

De devoradora fera

O pequeno. O que espera?

Em trágica ocasião

Com a falsa tradição

Turvas-me água cristalina

Se eu estou por baixo e tu por cima

Como te posso eu turbar (22)        22 Dois versos acima “turvas-me”, agora “turbar”. A troca do b pelo v ainda hoje é comum.

Com as garras p’ro devorar

O lobo pôs-se por cima.


Fostes tu ou teu pai

O outro ano passado

Eu tenho seis meses contados

Deste ano que lá vai

De profundo deu um ai

Ai que estou devorado

Olhou para o seu lado

Ninguém o pode defender

Deitou os dentes e foi comer

O cordeiro ficou por baixo.


8.ª poesia

O sol da justiça

MOTE

Quando romper o lindo Sol

Que a justiça aqueceu

Bem ditoso foi aquele

Que no seu calor adormeceu.


É o 23 grande e não o pequenino        23 Este “o” equivale à contracção “ao”. Aparece mais uma vez neste verso

Que a justiça dá poder

Que a fazem proceder

Como o lobo ao cordeirinho

O hipócrita com o dinheirinho

É que no mundo tem valor

O envalido 24 e o menor         24 inválido

Não tem no mundo poder

Mas isto se há-de esclarecer

Quando romper o lindo Sol.


Vejam bem ó meus senhores

Da justiça a gravidade

Quando lhe faltar a verdade

Dos carvões fazem flores

No tribunal trocam-se cores

Que pela honra se jurou

Em justa a causa se deu

Porque lhe faltou o melhor

Veio a nuvem encobrir o Sol

Que a justiça aqueceu.


A verdade é um tesouro

Que tudo quer enriquecer

Tenho esta para dizer

No presente ao vindouro

Até na balança o ouro

A verdade é o modelo

Que faz grande o que é pequeno

Como criatura verdadeira

Quem defendeu esta bandeira

Bem ditoso foi aquele.


A verdade é como o azeite

Por cima de tudo há-de brilhar

Ainda que a queiram sufocar

Ela por cima há-de dar jeito

O seu progresso é perfeito

Quem com ela procedeu

O seu nome engrandeceu

De honrado e verdadeiro

Foi no mundo um cavalheiro

Que no seu calor adormeceu.


9.ª Poesia

Narrando a mentira

MOTE

O autor da mentira

Julga às vezes que é feliz

O resultado que dela tira

É desacreditar quem não diz.


Em qualquer algum negócio

A mentira é protecção

Aquele que tem a intenção

De enganar o seu próximo

Até na vida dos consórcios

Alcoviteira com a mentira

Desordena aquela vida

Por causa do ciúme

Quem usa este costume

É o autor da mentira.


Fica todo satisfeito

Em resolver o problema

Depois de corrida esta cena

O que o negócio também feito

Se não soubesse dar o jeito

Ele de si para si diz

Quem não tem manha é infeliz

E no mundo desprezado

Com a mentira ao seu lado

Julga às vezes que é feliz.


Quem mente cospe no ar

Para no rosto vir bater

Ainda que se queira esconder

Ela o há-de fazer corar

Nunca se há-de fartar

Nem encher a sua barriga

Há-de viver na mesma lida

Como vive o caloteiro

Para pagar nunca tem dinheiro

É o resultado que dela tira.


É hipócrita vigarista

Troca tintas verdadeiro

É falso e traiçoeiro

É a nobreza que conquista

A verdade põe à vista

Tudo declara e tudo diz

Até no tribunal o juiz

A mentira descobriu

O resultado que nela se viu

Foi desacreditar quem a diz.


10.ª poesia

A criação da água


MOTE

A água foi destinada

Para nunca sossegar

Ou nas nuvens ou na terra

Ou no rio ou no mar.


Água é um alimento

Sem ela não se pode passar

Para beber e derregar

A vegetação em todo o tempo

É tocada pelo vento

Nunca pode estar parada

Quer no rio quer na tirada (25)    25 Cada uma das leiras por onde corria a água na rega do milho.

Tem sempre de correr

Para volver e devolver

A água foi destinada.


É conduzida a um moinho

Para um rodízio tocar

Para moer centeio e milho (26)    26 Eram os cereais mais comuns cultivados na Maljoga. O centeio, em terrenos magros, nas encostas ou altos voltados ao sol, o milho nas terras ao pé da ribeira (da Isna) – As terras de regadio da Várzea da Ribeira, da Forga da Boa, da Fraga, da Fosseirina, da Milheirada e do Gamoal constituíam autênticos celeiros que alimentaram até finais da década de sessenta do século passado a população da Maljoga

A padeira o pãozinho

Com ela o vai amassar

O calor a faz voar

Quando está a cozer

Foi destinada para devolver

E nunca poder sossegar.


Não se perde uma gota

Ainda que a venham beber

Numa panela a ferver

Há-de sair pela boca

Ela vai de pouco a pouco

Conduzida à atmosfera

Depois o chão a espera

Para a sede saciar

Lá tem ela de voltar

Das nuvens para a terra.


Imita a respiração

Do nosso corpo humano

Naquele grande oceano

Está a contemplação

Quando é em ocasião

Da maré ir vazar

Lá torna ela a voltar

Em onda em campolada (27)     27 “em campolada” (encapelada).

Anda sempre agitada

Quer no rio quer no mar.


11.ª Poesia

A criação da água


MOTE

Segundo o meu modo de ver

A água também se cria

É a terra que a consome

E ela mesmo é que cria


Segundo o meu uso da razão

A água também mingua

Quer em casa quer na rua

Ela tem muita extracção

A conta de subtracção

Em tudo tem que haver

No comer e no beber

A água tem de assistir

Ela tem de subtrair

Segundo o meu modo de ver.

Em máquinas e motores

Em comboios a fugir

Ela move e faz seguir

Até nos mares os vapores

As plantas e as flores

Ela alenta e segura a vida

Quando se vê oprimida

Ela move e faz girar

Segundo o meu modo de pensar

A água também se cria.


A terra é uma fábrica

De grande destilação

Até debaixo do chão

Estila 28 água salgada    28 Note-se aférese (queda inicial) do “d” – (d)estila

A imundície numa palavra

Tudo extrai e tudo come

Até o animal e o homem

Tudo ela quer liquidar

Se alguma gota faltar

É a terra que a consome.


Mas ela quer restituir

Por plantas que dão vinho

Óleo e azeitinho

E mais frutas a seguir

O calor a faz extrair

Em gotas de água cristalina

Da nuvem à ribeirinha

Lá ela tem de voltar

Não quero mais duvidar

Que a mesma terra é que cria.



12.ª Poesia

O que é a morte


MOTE

A morte tem tantos laços

Tantos laços que ela tem

Mais que lhe ponham embaraços

A ela não escapa ninguém.


Todo o ente que nascer

Tem a morte por herança

Ou em velho ou em criança

Todos temos de morrer

Até antes de rescemnascer (29)    29 (sic) Mais uma nota da dificuldade em grafar palavras de uso mais restricto: “rescemnascer” – a epêntese (acrescento) do “s” re(s)cem. O verbo feito a partir de recém-nascido é curioso. Nós diríamos “Até antes de nascer”, sem fixar um momento. A ideia formulada pelo neologismo “recemnascer” parece referir-se à situação (infelizmente muito comum naquelas terras) do nado morto.

Tem-se dado estes casos

Temos a vida em vasos

De vidro bem frágil

Para tudo se cumbir (30)    30 O poeta popular conhece a palavra “sucumbir”, mas é cego e o seu escrivão, não a conhecendo, grafa-a erradamente..

A morte tem tantos laços.


Tudo o que nasceu herdou a morte

Ela nos traz a igualdade

Em qualquer outra idade

Somos herdeiros deste dote

Herda o fraco e o forte

O mesquinho e o potente

Até Deus Pai e Omnipotente

Ele a morte quis herdar (31)    31 Dizem-me pessoas que o conheceram que o ti Zé (nome familiar com que ainda hoje é lembrado) da Mata era catequista. Daí a referência à teologia da morte de Deus na Cruz, na pessoa do seu filho Jesus

Para tudo capturar

Tantos laços que ela tem.


Até o doutor de medicina

A ela não há-de escapar

Mais que faça para estudar

Para dar vida à criancinha

Ao mancebo e à velhinha

Faz operações e autópsias

No meio destas hipóteses

Toda a gente quer viver

Mas há-de sempre vencer

Mais que lhe ponham embaraços.


Ó morte és tão poderosa

Matas o Rei e a rainha

Matas a mãe e a criancinha

E ao general a sua esposa

Matas donzelas mais 32 formosas     32 “mas” no original que temos estado seguir... Pensamos ser um lapso tipográfico.

Em ti tudo te está bem

Roubas o filhinho à mãe

Não temos ouro nem dinheiro

Matas o nobre e o guerreiro

A ela não escapa ninguém.





Desculpem todos ó meus Senhores

Se eu nalgum verso errei

É obra de um ceguinho

Mais que isto não sei.



Foi editor José da Mata

Do lugar da Maljoga

Da comarca da Sertã

Concelho de Proença-a-Nova


Maljoga, 27 de Junho de 1934.