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quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

ANTÓNIO CARAPINHA (Tonho da Minhoca) por Lurdes Alves

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O olhar esquivo, inexpressivo às vezes, de inquietação noutras, andar desengonçado, os ombros balançando para um lado e para o outro o Tonho da Minhoca parecia que fugia de qualquer coisa ou de alguém.

Não era de todo doido, ou seja, aquele que por razões de deficiência genética fica incapacitado de agir, mas era um alucinado. Parecia não gostar de mulheres pois referia-se a elas como “almas do diabo” que o “atentavam durante a noite”. Encolhia-se todo e cruzava os braços sobre o baixo-ventre, como que a proteger as partes íntimas, sempre que passavam por ele.

Mereceu a alcunha de Tonho da Minhoca pelo facto de alimentar os peixes com minhocas, na tentativa gorada de os pescar. Praguejava contra eles, da mesma forma que fazia com as mulheres, pois eles, em vez de “morderem” o isco, comiam-no.

Sozinho, cultivou terras, negociou muitas outras e construiu a sua casa, um lugar lúgubre, de chão escuro, de terra batida, onde nenhuma mulher teve a ousadia de entrar. No entanto, na sua cabeça e nos seus sonhos nocturnos, muitas foram as que lhe bateram à porta e o atormentaram. Demónios vestidos de saias, bruxas que davam risadas na noite e que chamavam por ele. No dia seguinte contava o que lhe tinha acontecido acusando as viúvas da aldeia ou alguma rapariga solteira, de lhe terem aparecido. Uma cruz de madeira, do lado de fora da casa, servia de amuleto, para afugentar as almas penadas (as visíveis e as invisíveis) que imaginava andarem por ali...

Esta rejeição pelas mulheres, que não era senão uma atracção camuflada por elas, foi patente ao longo de toda a sua vida como se algum trauma de infância o tivesse deixado prisioneiro dos seus próprios desejos e incapacitado de viver. Referiu-se um dia à sua mãe como tendo sido uma ladra, ao devolver um cobertor a uma família, como paga da dívida deixada por ela.

De doenças que possa ter tido tratou-as com mezinhas caseiras e raramente ia ao médico. Quase no fim da sua vida dirigiu-se a um lar de idosos para aí pedir guarida. Não deram importância ao seu pedido. Como todos os atingidos pela loucura, também ele foi um excluído.

Depois de alguns dias doente e sem que ninguém lhe valesse, foi encontrado morto detrás da porta de saída de sua casa, agachado no chão, tal qual veio ao mundo. Deve ter lutado contra a Morte ao querer fugir dela e do local das suas tentações. Na sua nudez, foi como se ela (a Morte), feminina e doce, o viesse buscar, às pressas, para o libertar de todos os seus tormentos...

Veja outras personagens típicas que constituem memória da Maljoga |AQUI|

Lurdes Alves
Fevereiro de 2010

1 comentário:

JAndre disse...

Muito bem escrito Lurdes, parabéns.
A estória deste pobre homem dava um excelente guião para um filme!
João Alves