Lindo
folheto
contendo 12 poesias
morais,
sendo a primeira, Sentimento da Criancinha; a segunda, O que é o
nosso corpo humano; a terceira, Que somos além da campa; a quarta,
Conselho e Vigilância; quinta, Sentimentos de ceguinhos; a sexta, A
equiparação entre o incrédulo e o crente, imitando dois ceguinhos; a
sétima, O Lobo e o Cordeiro; a oitava, O sol da justiça; a nona,
Narrando a mentira; a décima, O que é a água; décima primeira, A
criação da água; a décima segunda, O que é a morte.
1.ª
poesia
Sentimento
da Criancinha
MOTE
Quando
eu nasci chorava
Com
pena de ter nascido
Parecia
que adivinhava
As
penas que eu tenho tido.
Quando
me encontrei neste mundo
Dum
grande sono despertado
Fiquei
então admirado
Ao
alvejar isto tudo
Confundi-me
sobre tudo
Na
luz que me iluminava
Não
pronunciava palavra
Tudo
me era confusão
Vedes
aqui a razão
Quando
eu nasci chorava.
O
meu corpo quase imóvel
Mal
movia pé e mão
Tinha
o princípio da razão
Mais
débil que um papel
Internado
neste aduel O mesmo que aduela – cada uma das tábuas que formam o corpo das pipas. Aqui toma-se a parte pelo todo. O corpo é comparado ao pipo.
Chorava
para comigo
Que
este grande mistério e perigo
Parecia
que estava a adivinhar
No
meio deste lupanar
Chorava
de ter nascido.
Quando
dei passadinhas
Primeira
alegria do coração
Quando
me pegava pela mão
Auxiliada
pelas vizinhas A concordar com criancinha (cf. título)
Já
dizia palavrinhas
Porque
minha mãe me ensinava
E
até meu pai me escoliava É interessante o neologismo a partir de “escola”. O sentido é, pois, “até o meu pai era meu mestre-escola”.
Fazia
jestruz
para me rir Tal como está no original. Corresponde à palavra “gestos”. A prótese do “r” a seguir à consoante“t” é comum na linguagem popular.
Mas
o que estava a sentir
Parecia
que adivinhava.
Fui
à aula pouco sei
Conheço
as letras e vi as cores
Vi
na primavera as flores
Nos
tenros anos seguei Sem dúvidaque, de acordo com o contexto, a palavra correcta é“ceguei”.
Na
escuridão eu fiquei
Com
perda do primeiro sentido
O
pensamento do suicídio
Por
vezes me quis sufocar
Aqui
podeis avaliar
As
penas que tenho tido.
2.ª
poesia
O
que é o nosso corpo humano
MOTE
Pus-me
a pensar um dia
A
sorte que tinha
o meu corpo É uma forma popular do condicional “teria” com valor de futuro.
São
trabalhos e fadigas na vida
Terra
em cima depois de morto.
Quem
este quadro edificou
Esta
maravilha de tristeza
Foi
o autor da natureza
Quem
esta obra assim formou
Por
certo eu também vou
Este
caminho a trilhar
Ao
cemitério ir findar
Onde
acaba toda a vida
Nesta
verdade conhecida
Pus-me
um dia a pensar . No original o verso surge “Pus-me a pensar um dia”. É falha do escrivão, pois a rima impõe a sequência que proponho.
Já
cantei como actriz
Já
chorei em alto pranto
Às
vezes de quando em quando
Julgo
que sou feliz
Lá
vem um pensamento que diz
Amanhã
já estás morto
Lá
vem outro desgosto
Que
me faz arreliar
Ainda
não acabei de pensar
A
sorte que tinha meu corpo.
O
rico por nada faltar
O
indigente com sua pobreza
Sofre
o revés da tristeza
Aqui
no mundo a gozar
Nós
devemos meditar
O
que sofreu a Virgem Maria
Jesus
morto em agonia
Para
o exemplo deixar
Ninguém
poderá evitar
São
trabalhos fadigas da vida.
Entrei
em uma cerca fechada O poeta, numa visão moralizante, reconhece o seu próprio cadáver na sepultura
Onde
fiquei todo abismado
Olhei
para um lado
Vi
uma caveira mirrada
De
pessoa tão dedicada
Que
no mundo tinha conforto
Vi
desfeito o seu corpo
Em
pó, terra, cinza e nada
Vi
a minha última morada
Terra
em cima depois de morto.
3.ª
poesia
Que
somos além da campa
MOTE
O
meu espírito se alegrou
Quando
isto fui pensar
Se
Deus para o Céu nos criou
Lá
é que devemos ir gozar.
Levantei
o meu espírito
Acima
do que é terreno
Todo
o homem grande e pequeno
Deve
amar a Jesus Cristo
Ele
não falta com isso
Prometeu
e nunca faltou
Pois
cristão também eu sou
Juro
e não posso negar
Quando
isto fui pensar
O
meu espírito se alegrou.
Jesus
é nosso pai
Com
o sangue nos remiu
Ele
para o Egipto fugiu
Em
companhia de sua mãe
São
José ia também
Como
seu pai representar
Herodes
o queria matar
Com
sua ira e traição
Alegrou-se
o meu coração
Quando
isto fui pensar.
No
mundo há tanta calamidade
Tanta
gente anda a sofrer
Tanto
ceguinho sem ver
Tanta
viúva e orfandade
Tanto
revés e contrariedade
Vejo
sofrer amigo meu
Sofre
amigo e sofro eu
Neste
mundo de amargura
Nesta
pátria não há ventura
Se
Deus para o Céu nos criou.
O
corpo abaixa
à sepultura Forma popular do verbo baixar.
A
alma voa para o céu
É
uma pátria que Deus nos deu
Toda
a fiel criatura
Com
tanta alegria e doçura
Deus
nos quer recompensar
Não
devemos murmurar
Nas
promessas do seu coração
Nesta
pátria é que então
Nós
devemos ir gozar.
4.ª
poesia
Conselho
e Vigilância
MOTE
Não
deixes passar o que passa
Para
nos salientar o futuro
A
prática é a ciência das artes
O
tempo é que traz e leva tudo.
Do
teu lar faz história
Para
melhor poder viver
Para
depois compreender
Avivares
tua memória
Depois
acharás vitória
Na
lida que te embaraça
Não
julgues que o que se passa
Não
deves estar
em lembrança Forma popular – equivalente a ter
Põe-te
sempre em vigilância
Não
deixes passar o que passa.
Se
teu pai morrer assenta
Se
teu filho nascer escreve
Para
te tornar mais leve
A
um escrivão que te atenda
Não
deixes perder a patenta 15 Patente – aqui numa forma popular de dizer.
De
uma compra ou seguro
Arriscas-te
a perder tudo
Ficas
todo arreliado
Vive
bem acautelado
Para
salientares no futuro.
Até
mesmo na agricultura
Não
deves deixar passar
Para
poderes reparar
Em
qualquer sementeira ou postura
Tu
artista e por ventura
Nos
teus erros não pensaste
Tu
nunca os emendaste
Vives
sempre ignorado
Visto
o que eu tenho pensado
A
prática é a ciência das artes.
O
antigo é o modelo
Para
onde devemos dirigir
Para
poderes corrigir
Qualquer
erro ou empeno
O
artista com o seu desempeno
O
corta mão desempena tudo
Depois
de nada veio tudo
Para
o nada tem de voltar
Não
te queiras admirar
Com
o tempo traz e leva tudo.
5.ª
poesia
Estamos na presença de um texto autobiográfico. O poeta compara-se ao cego de nascença para concluir que a sua situação é bem pior. Enquanto o cego de nascença canta a sua infelicidade e vive resignado, o autor, que cegou já na sua juventude (foi à escola: sabe ler e escrever), “passa a vida a chorar” as lembranças de felicidade (bem presentes na última estrofe) do tempo anterior à sua situação presente em que “vive em trevas isolado”.
Sentimentos
de ceguinhos
MOTE
O
cego que nasceu cego
Eu
que nasci e ceguei
Diz
o cego que assim nasceu
Digo
eu que depois ceguei.
Passa
a vida a cantar
O
infeliz que assim nasceu
É
uma graça que Deus lhe deu
Para
se poder resignar
Da
alegria um segredo
Cumpre
alegre o seu degredo
Porque
não viu sol nem lua
Anda
apalpando na rua
O
cego que nasceu cego.
Passo
a vida a chorar
Do
mundo o melhor perdi
Agora
choro aqui
Ninguém
me pode remediar
Ando
sempre a contemplar
As
cousas que já olhei
Na
escuridão assim fiquei
Nas
trevas isolado
Vivo
sempre desacoroçoado
Nasci
e ceguei.
No
céu há tantas estrelas
E
um sol que nunca vi
No
seu calor me aqueci
No
meio de tantas belezas
Tantas
cores brancas e pretas
Nunca
vi longe e nem perto
Mas
tenho que dar crédito
Por que ouço assim contar
O
meu remédio é cantar
Diz
o cego que assim nasceu.
Já
vi cabelos doirados
Na
donzela mais formosa
Já
vi no jardim a rosa
E
a verdura nos prados
O
rouxinol nos silvados
Ler
e escrever também sei
E
os montes passeei
Vi
alvura da neve
Agora
o leitor se não percebe
Digo
eu que já ceguei.
6.ª
poesia
A
equiparação entre o incrédulo e o crente, imitando dois ceguinhos
MOTE
Quando
correr esta cortina
Muitos
tem
ignorado Mantive a forma arcaica que o original apresenta. Tem aqui o valor de têm (plural).
Olhei (18) os dois ceguinhos “Olhei” em vez de “olhai”. É uma forma de dizer ainda hoje comum entre as pessoas mais idosas. Nas voltas (estrofes) o imperativo já usa a forma correcta “comprai”, “educai”.
Que
dão o exemplo equiparado.
Vejam
bem os senhores
O
que vos vou a dizer
Comprai
todos para ler (19) Este é um pregão sem dúvida muito utilizado pelo poeta pelas feiras e romarias por onde vendia os seus versos.
Até
do lar pai e mãe
Educai
os filhos bem
Do
catecismo e sã doutrina
Ela
declara e ensina
D’além
campa a eternidade
Veremos
toda a verdade
Quando
correr esta cortina.
Entre
o que viu e o que não viu
Houve
uma discussão
Um
que sim e outro que não
O
que não viu se convenceu
Porque
então nunca percebes
Do
que andava rodeado
Agora
alto dou um brado
Com
esta advertência
Avivai
na inteligência
O
que muitos têm ignorado.
Os
que tem fé dizem que há Deus
Os
que não têm dizem que não
Vivemos
todos num sertão
No
meio de tantos segredos
Uns
apontam com os dedos
Além
vão os caminhos
Outros
com os seus maus ensinos
Arrastam
a religião
Abri
os olhos à razão
Olhai
para os dois ceguinhos
Entre
o incrédulo e o crente
Entre
o que viu e o que não viu
Tudo
isto se discutiu
Que
pode ler toda a gente
Que
Deus Padre Omnipotente
Está
um mistério encerrado
Tantos
o têm negado
Como
judas
negou Jesus Judas está grafado com letra minúscula no original que manuseei em contraste com o nome de Jesus. Acentua, sem dúvida, a desconsideração popular por tal personagem. Ainda hoje na Maljoga e arredores apelidar alguém de Judas é motivo de desprezo e segregação.
Andam
como cegos na luz
Que
dão o exemplo equiparado.
7.ª
Poesia
O
Lobo e o Cordeiro
MOTE
O
lobo mais o cordeiro
Encontraram-se
num riacho
O
lobo pôs-se por cima
E
o cordeiro ficou por baixo.
Acharam-se
em liberdade
O
inocente e o maldoso
O
pequeno é desditoso
No
meio da sociedade
Eis
a expressão da verdade
Não
foi este o primeiro
Porque
o grande é ventureiro
Que
no mundo tem a potência
Acharam-se
em advertência
O
lobo mais o cordeiro.
Dizia
a raposa certa vez
Quem
suas forças não tem No original está “querem”. Penso ser uma gralha do escrivão
Nem
no mundo pai e mãe
Perde
tudo num mês
O
que tanto revés
No
mundo se tem encontrado
Que
o pequeno é desprezado
Que
não tem no mundo poder
Que
para esta água beber
Muitos
se encontram no riacho.
Com
esta má contrição
De
devoradora fera
O
pequeno. O que espera?
Em
trágica ocasião
Com
a falsa tradição
Turvas-me
água cristalina
Se
eu estou por baixo e tu por cima
Como
te posso eu turbar (22) Dois versos acima “turvas-me”, agora “turbar”. A troca do b pelo v ainda hoje é comum.
Com
as garras p’ro devorar
O
lobo pôs-se por cima.
Fostes
tu ou teu pai
O
outro ano passado
Eu
tenho seis meses contados
Deste
ano que lá vai
De
profundo deu um ai
Ai
que estou devorado
Olhou
para o seu lado
Ninguém
o pode defender
Deitou
os dentes e foi comer
O
cordeiro ficou por baixo.
8.ª
poesia
O
sol da justiça
MOTE
Quando
romper o lindo Sol
Que
a justiça aqueceu
Bem
ditoso foi aquele
Que
no seu calor adormeceu.
É
o
grande e não o pequenino Este “o” equivale à contracção “ao”. Aparece mais uma vez neste verso
Que
a justiça dá poder
Que
a fazem proceder
Como
o lobo ao cordeirinho
O
hipócrita com o dinheirinho
É
que no mundo tem valor
O
envalido
e o menor inválido
Não
tem no mundo poder
Mas
isto se há-de esclarecer
Quando
romper o lindo Sol.
Vejam
bem ó meus senhores
Da
justiça a gravidade
Quando
lhe faltar a verdade
Dos
carvões fazem flores
No
tribunal trocam-se cores
Que
pela honra se jurou
Em
justa a causa se deu
Porque
lhe faltou o melhor
Veio
a nuvem encobrir o Sol
Que
a justiça aqueceu.
A
verdade é um tesouro
Que
tudo quer enriquecer
Tenho
esta para dizer
No
presente ao vindouro
Até
na balança o ouro
A
verdade é o modelo
Que
faz grande o que é pequeno
Como
criatura verdadeira
Quem
defendeu esta bandeira
Bem
ditoso foi aquele.
A
verdade é como o azeite
Por
cima de tudo há-de brilhar
Ainda
que a queiram sufocar
Ela
por cima há-de dar jeito
O
seu progresso é perfeito
Quem
com ela procedeu
O
seu nome engrandeceu
De
honrado e verdadeiro
Foi
no mundo um cavalheiro
Que
no seu calor adormeceu.
9.ª
Poesia
Narrando
a mentira
MOTE
O
autor da mentira
Julga
às vezes que é feliz
O
resultado que dela tira
É
desacreditar quem não diz.
Em
qualquer algum negócio
A
mentira é protecção
Aquele
que tem a intenção
De
enganar o seu próximo
Até
na vida dos consórcios
Alcoviteira
com a mentira
Desordena
aquela vida
Por
causa do ciúme
Quem
usa este costume
É
o autor da mentira.
Fica
todo satisfeito
Em
resolver o problema
Depois
de corrida esta cena
O
que o negócio também feito
Se
não soubesse dar o jeito
Ele
de si para si diz
Quem
não tem manha é infeliz
E
no mundo desprezado
Com
a mentira ao seu lado
Julga
às vezes que é feliz.
Quem
mente cospe no ar
Para
no rosto vir bater
Ainda
que se queira esconder
Ela
o há-de fazer corar
Nunca
se há-de fartar
Nem
encher a sua barriga
Há-de
viver na mesma lida
Como
vive o caloteiro
Para
pagar nunca tem dinheiro
É
o resultado que dela tira.
É
hipócrita vigarista
Troca
tintas verdadeiro
É
falso e traiçoeiro
É
a nobreza que conquista
A
verdade põe à vista
Tudo
declara e tudo diz
Até
no tribunal o juiz
A
mentira descobriu
O
resultado que nela se viu
Foi
desacreditar quem a diz.
10.ª
poesia
A
criação da água
MOTE
A
água foi destinada
Para
nunca sossegar
Ou
nas nuvens ou na terra
Ou
no rio ou no mar.
Água
é um alimento
Sem
ela não se pode passar
Para
beber e derregar
A
vegetação em todo o tempo
É
tocada pelo vento
Nunca
pode estar parada
Quer
no rio quer na tirada (25) Cada uma das leiras por onde corria a água na rega do milho.
Tem
sempre de correr
Para
volver e devolver
A
água foi destinada.
É
conduzida a um moinho
Para
um rodízio tocar
Para
moer centeio e milho (26) Eram os cereais mais comuns cultivados na Maljoga. O centeio, em terrenos magros, nas encostas ou altos voltados ao sol, o milho nas terras ao pé da ribeira (da Isna) – As terras de regadio da Várzea da Ribeira, da Forga da Boa, da Fraga, da Fosseirina, da Milheirada e do Gamoal constituíam autênticos celeiros que alimentaram até finais da década de sessenta do século passado a população da Maljoga
A
padeira o pãozinho
Com
ela o vai amassar
O
calor a faz voar
Quando
está a cozer
Foi
destinada para devolver
E
nunca poder sossegar.
Não
se perde uma gota
Ainda
que a venham beber
Numa
panela a ferver
Há-de
sair pela boca
Ela
vai de pouco a pouco
Conduzida
à atmosfera
Depois
o chão a espera
Para
a sede saciar
Lá
tem ela de voltar
Das
nuvens para a terra.
Imita
a respiração
Do
nosso corpo humano
Naquele
grande oceano
Está
a contemplação
Quando
é em ocasião
Da
maré ir vazar
Lá
torna ela a voltar
Em
onda em campolada (27) “em campolada” (encapelada).
Anda
sempre agitada
Quer
no rio quer no mar.
11.ª
Poesia
A
criação da água
MOTE
Segundo
o meu modo de ver
A
água também se cria
É
a terra que a consome
E
ela mesmo é que cria
Segundo
o meu uso da razão
A
água também mingua
Quer
em casa quer na rua
Ela
tem muita extracção
A
conta de subtracção
Em
tudo tem que haver
No
comer e no beber
A
água tem de assistir
Ela
tem de subtrair
Segundo
o meu modo de ver.
Em
máquinas e motores
Em
comboios a fugir
Ela
move e faz seguir
Até
nos mares os vapores
As
plantas e as flores
Ela
alenta e segura a vida
Quando
se vê oprimida
Ela
move e faz girar
Segundo
o meu modo de pensar
A
água também se cria.
A
terra é uma fábrica
De
grande destilação
Até
debaixo do chão
Estila
água salgada Note-se aférese (queda inicial) do “d” – (d)estila
A
imundície numa palavra
Tudo
extrai e tudo come
Até
o animal e o homem
Tudo
ela quer liquidar
Se
alguma gota faltar
É
a terra que a consome.
Mas
ela quer restituir
Por
plantas que dão vinho
Óleo
e azeitinho
E
mais frutas a seguir
O
calor a faz extrair
Em
gotas de água cristalina
Da
nuvem à ribeirinha
Lá
ela tem de voltar
Não
quero mais duvidar
Que
a mesma terra é que cria.
12.ª
Poesia
O
que é a morte
MOTE
A
morte tem tantos laços
Tantos
laços que ela tem
Mais
que lhe ponham embaraços
A
ela não escapa ninguém.
Todo
o ente que nascer
Tem
a morte por herança
Ou
em velho ou em criança
Todos
temos de morrer
Até
antes de rescemnascer (29) (sic) Mais uma nota da dificuldade em grafar palavras de uso mais restricto: “rescemnascer” – a epêntese (acrescento) do “s” re(s)cem. O verbo feito a partir de recém-nascido é curioso. Nós diríamos “Até antes de nascer”, sem fixar um momento. A ideia formulada pelo neologismo “recemnascer” parece referir-se à situação (infelizmente muito comum naquelas terras) do nado morto.
Tem-se
dado estes casos
Temos
a vida em vasos
De
vidro bem frágil
Para
tudo se cumbir (30) O poeta popular conhece a palavra “sucumbir”, mas é cego e o seu escrivão, não a conhecendo, grafa-a erradamente..
A
morte tem tantos laços.
Tudo
o que nasceu herdou a morte
Ela
nos traz a igualdade
Em
qualquer outra idade
Somos
herdeiros deste dote
Herda
o fraco e o forte
O
mesquinho e o potente
Até
Deus Pai e Omnipotente
Ele
a morte quis herdar (31) Dizem-me pessoas que o conheceram que o ti Zé (nome familiar com que ainda hoje é lembrado) da Mata era catequista. Daí a referência à teologia da morte de Deus na Cruz, na pessoa do seu filho Jesus
Para
tudo capturar
Tantos
laços que ela tem.
Até
o doutor de medicina
A
ela não há-de escapar
Mais
que faça para estudar
Para
dar vida à criancinha
Ao
mancebo e à velhinha
Faz
operações e autópsias
No
meio destas hipóteses
Toda
a gente quer viver
Mas
há-de sempre vencer
Mais
que lhe ponham embaraços.
Ó
morte és tão poderosa
Matas
o Rei e a rainha
Matas
a mãe e a criancinha
E
ao general a sua esposa
Matas
donzelas mais
formosas “mas” no original que temos estado seguir... Pensamos ser um lapso tipográfico.
Em
ti tudo te está bem
Roubas
o filhinho à mãe
Não
temos ouro nem dinheiro
Matas
o nobre e o guerreiro
A
ela não escapa ninguém.
Desculpem
todos ó meus Senhores
Se
eu nalgum verso errei
É
obra de um ceguinho
Mais
que isto não sei.
Foi
editor José da Mata
Do
lugar da Maljoga
Da
comarca da Sertã
Concelho
de Proença-a-Nova
Maljoga,
27 de Junho de 1934.